É um filme lento, com um cuidado com os detalhes surpreendente

Muitas vezes, vivemos numa cidade e pouco conhecemos dela. Andamos às voltas, em círculos, nos mesmos lugares e a ver as mesmas pessoas. Pensamos que já estamos fartos, que a cidade já não tem mais nada de novo para nos dar e começamos a pensar em partir e recomeçar num outro lugar.

Para contrariar esse sentimento, ao tentar descobrir coisas novas, dei por mim num prédio onde todos se conheciam; as varandas eram unidas e estavam repletas de vasos de flores. Alguns dos quais estavam bem no parapeito das varandas, fazendo com que qualquer toque em falso os enviasse, diretamente, para o chão, e se partisse.

Quando essa imagem me veio à cabeça, o filme japonês ‘Dare mo shiranai’ (‘Nobody Knows’, em inglês e ‘Ninguém Sabe’, em português) realizado por Hirokazu Kore-eda apareceu e por lá ficou, até hoje, a matutar.

Vi-o pela primeira vez enquanto estava na universidade, numa noite mal dormida em que se devoravam filmes bonitos na RTP2.

Tenho um gosto muito orientado para filmes, profundamente, tristes. E este, está claro, não é exceção. Até acho que consigo fazer-me entender, logo à partida, se disser que a história trata de quatro crianças, meios-irmãos que não vão à escola e que são obrigados a viver sozinhos num apartamento depois de serem abandonados pela mãe, tomando o mais velho, Akira, as rédeas do cuidado dos irmãos mais novos.

Começa com um toque de romantismo e uma leve comédia, introduzindo uma história que se vai desenrolar de forma difícil. A mãe das crianças é mãe solteira – algo que não é bem visto no Japão – e, ao alugar o apartamento apresenta, apenas, o filho mais velho – uma vez que, no Japão, se alugam casas por inquilino. Os dois mais novos seguem dentro das malas e a menina mais velha aparece mais tarde, apresentada como sobrinha que está de passagem.

É um filme lento, com um cuidado com os detalhes surpreendente. Aliás, até acho que é este cuidado com os detalhes que faz com o filme nos toque tanto. Com o avançar lento da história, avança também a degradação do ambiente que rodeia as crianças. Tudo feito devagar e com uma minúcia que nos prende e nos faz sentir a sua dor.

Não posso contar mais que não quero ser spoiler, mas uma coisa é certa: foi um dos filmes que mais me marcou até hoje. Na altura até coloquei o cartaz como fundo do ambiente de trabalho do meu PC e, na brincadeira, muitos dos meus amigos me diziam que aqueles eram os meus filhos.

Não eram. Mas foram os filhos de alguém. Até porque a história é baseada em factos reais, bem mais dramáticos que o próprio filme, num caso que abalou Tóquio em 1988 e que ficou conhecido como “os quatro abandonados de Nishi-Sugamo”.

É triste, duro, impressionante e, por isso, imperdível.