A ausência do rico cinema português de formato curto nos festivais internacionais de cinema que não de “linha A” é preocupante
Fez este mês de Maio quatro anos que exerço as funções de programador oficial do Festival Internacional de Cine de Piélagos, na Cantábria em Espanha depois de uma primeira incursão no mesmo enquanto membro do primeiro jurado internacional em 2014.
Pelo festival, que já marcava pela sua excelente programação e óptimo ambiente cinéfilo entre realizadores, organização e convidados que todos os anos acorrem ao festival e, por entre os quais, já passaram actores como Raúl Arévalo – premiado com Goya -, Ruth Díaz – premiada em Veneza -, Itziar Castro – nomeada aos Goya – ou Rodrigo Sorogoyen – vencedor de Goya -, sente-se não só a paixão pela qualidade de um bom cinema como aquela de fazer mostrar não só os encantos da região como também de todas as magníficas obras cinematográficas que por lá passam como o empenho de todos os profissionais que as criam como daqueles que fazem o próprio festival acontecer.
É neste âmbito que, desde que me convidaram a assumir o cargo de programador do festival, que tenho tentado não só brindá-lo com aquilo que de melhor se faz no rico e diversificado cinema espanhol como também com as melhores obras que chegam dos quatro cantos do mundo, Portugal incluído. E, se este ano pela primeira vez passaram por mim obras vindas de África (Ruanda e Egipto), não me é indiferente o facto de que desde 2015, Portugal e o seu cinema, tenham estado presentes mas, ainda, com uma participação assumidamente tímida.
De Branco, de Luís Alves a Cigano, de David Bonneville, Pena Fria, de Luís Costa ou Os Sonâmbulos, de Patrick Mendes (este último vencedor do troféu para Melhor Fotografia da autoria de Paulo Abreu), passando por Sintoma de Ausência, de Carlos Melim em 2016, Limbo, de Rui Pedro Sousa em 2017 e finalmente Fugiu. Deitou-se. Caí., de Bruno Carnide em 2018, o cinema português em formato curto tem assumido uma cada vez mais assídua presença neste festival não só pela qualidade das obras apresentadas mas principalmente pela sua abordagem original, descomprometida e diversa que assume na abordagem aos mais diversos temas desde a crítica social ao drama, do experimental à ficção sem esquecer a fantasia romântica e até mesmo a comédia despertando nos espectadores que frequentam o FICPI a curiosidade por um cinema que apesar de próximo na distância parece chegar do outro lado do mundo.
A ausência – voluntária ou não – do rico cinema português de formato curto nos festivais internacionais de cinema que não de “linha A” é preocupante não só pelo facto de não se dar a conhecer toda uma nova e “fluente” geração cinematográfica portuguesa a um mercado que se faz circular na medida em que um determinado filme deverá (espera-se!) ter um percurso de festivais relativamente longo, como deixa no ar a questão de que nem todos os festivais de cinema parecem ser realmente relevantes para um cinema nacional que, em certa medida, tem as suas dificuldades em encontrar público fora de portas não pela sua falta de qualidade mas sim pela urgência em se fazer chegar a um público mais abrangente.
Nesta medida, a questão que me é vezes sem conta colocada é simples… “por onde anda o cinema português?!”… Se no caso das longas-metragens que (algumas) conseguem essa tal “carreira” pelos festivais internacionais de cinema encontrando raríssimas vezes um potencial mercado pelo qual se podem expandir e ter estreia comercial – recordo-me de imediato das obras de Miguel Gomes -, o cinema em formato curto ausente desse conjunto de festivais que não de “linha A”, retrai-se e perde-se impossibilitando aos seus realizadores e às suas visões desse mundo exterior chegar a um público de língua não portuguesa, curioso pelo que se faz (neste caso) no país vizinho e do qual apenas conhecem aquele que foi o mais internacional de todos os realizadores… Manoel de Oliveira.
Pelos breves – brevíssimos – contactos portugueses que este trabalho enquanto programador me tem proporcionado (excepção seja feita claro aos anteriormente mencionados e seleccionados), aquilo que verifico de um núcleo de cinema nacional em formato curto é, infelizmente, uma resistência a festivais que não tenham, logo de imediato, o dito “nome sonante”. Se o contacto, abordagem ou mesmo divulgação não vier catalogado com o símbolo de Cannes, Veneza, Berlim ou Locarno, entre escassos outros, sente-se a existência de uma sentida indiferença ou mesmo olhar de soslaio que revela desconfiança, falta de vontade ou até um “para quê?!” como se os únicos troféus que interessam manter vivos e presentes sejam aqueles que esses “linha A” podem facultar. Pelo meio esquecem-se, ignoram-se ou tornam-se indiferentes festivais cujo palmarés inclui obras internacionalmente premiadas nas mais diversas Academias de Cinema (nacionais), que possibilitam a pré-selecção aos mais cobiçados do cinema internacional, por vezes até prémios monetários e um mais vasto conjunto de troféus não só para o realizador ou produtor em questão mas também para o próprio cinema nacional que parece manter-se resistente a troféus que alguns consideram… “menores”.
Das sete curtas-metragens portuguesas que fiz chegar ao FICPI, além dos troféus máximos para a Melhor Internacional e Melhor Social, uma delas saiu ainda nomeada na categoria de Melhor Actor (Nuno Melo, em Branco), e outra saiu inclusive com o já mencionado troféu de Melhor Fotografia para Paulo Abreu (ambas em 2015). No mesmo ano Cigano, de David Bonneville havia sido das mais votadas para o Prémio do Público não tendo conseguido obtê-lo por poucos votos e os elogios ao desconhecido cinema português fizeram-se escutar. De um cinema que o próprio público (nacional) julga “morto”, chegam as mais diversas notícias dos seus troféus, de um público interessado e curioso, opinativo e crítico que se interessa sobre as suas histórias, sobre os seus realizadores, sobre os seus actores e sobre os porquês das histórias que acabam de assistir. Perguntas que passam, também e sobretudo, pela inevitabilidade do “porquê” de não existir mais cinema português fora de portas considerando que revelam ter tanto por contar.
Apoios à parte, a grande questão que me resta equacionar – e que também acaba por me ser colocada – prende-se com algo (não tão) simples… existe um cinema português para lá dos inevitáveis e ambicionados festivais de cinema ou estaremos por cá todos bem formatados para apenas pensar nos grandes “linha A” ignorando voluntariamente todos os demais que podem (poderiam) abrir mais portas e uma maior diversidade que também ajudasse à sua divulgação “fora de portas”?!